Memória

Pedro de Assis: revendo uma injustiça histórica

Por Sandor Buys - 11/10/2013

Por Sandor Buys
O Brasil do início do século XX viu profundas transformações na música brasileira. Por exemplo, a consolidação do choro como gênero, a criação do maxixe e do samba, o surgimento da indústria fonográfica. Também perduravam, nesta época, modinhas, lundus e cançonetas do século XIX, com seus antigos intérpretes. Embora este período seja tão importante, rico e diverso, a trajetória artística da grande maioria dos personagens que então atuavam foi levada pelo esquecimento. Outros são mencionados, hoje em dia, por poucos fatos e muitas vezes são injustiçados por terem apenas fragmentos menos brilhantes de suas vidas projetados na história. O flautista Pedro de Assis é um dos artistas de êxito no alvorecer do século XX que podemos dizer que foi injustiçado.
A biografia de Pedro de Assis ficou marcada por certa desavença com o célebre flautista Patápio Silva, não sendo encontrado, na literatura sobre história da música brasileira, quase nenhuma informação sobre ele que não seja referente a este fato. O ponto culminante deste mau entendimento foi Pedro de Assis ter substituído seu antigo mestre - Duque Estrada Méier – como professor do Instituto Nacional de Música, logo após sua morte, quando muitos acreditavam que Patápio Silva deveria ter ocupado este lugar mas, por ser mulato, foi preterido. Não foram mostradas evidências de que Patápio tenha sido preterido por preconceito racial e, por outro lado, Maurício Lima de Oliveira, em sua dissertação de mestrado, intitulada Patápio Silva, o sopro da arte - trajetória de um flautista mulato no início do século XX, apresenta mesmo argumentação sugerindo ser natural a nomeação de Pedro de Assis para o referido cargo. Contudo, é certo que Patápio sofrera, durante sua vida, preconceito por ser mulato, sendo muito admiráveis a força e o talento que teve para enfrentar as dificuldades financeiras e o preconceito e tornar-se um artista renomado ainda jovem. Cabe lembrar que Patápio morreu com apenas 26 anos, vítima de um mal súbito, e realmente ganhou reconhecimento ainda em vida.
Um material farto que pertencera ao Pedro de Assis chegou às minhas mãos, incluindo documentos pessoais, recortes de jornal e revistas, fotografias, partituras manuscritas. Baseado nesse material, disponibilizo, aqui, algumas informações biográficas sobre ele. A maior parte inédita, mas complementada com dados retirados da pouca literatura que o menciona.  
Pedro de Assis nasceu a 26 de Abril de 1873, em Recife, filho de Francisco de Assis e Guilhermina de Assis. Ainda bem jovem foi tipógrafo do Jornal do Recife e, quando pode melhorar de renda com seu trabalho, passou a estudar música com Antonio Martins Vianna. Posteriormente, com auxílio do proprietário do jornal em que trabalhava – Luiz de Faria –, saiu de sua cidade natal para estudar flauta no Rio de Janeiro. Nesta cidade, passou a trabalhar, também como tipógrafo, no Paiz e a estudar flauta no Instituto Nacional de Música, iniciando seu curso em 15 de Junho de 1892, com 19 anos. Foi nomeado auxiliar do ensino de flauta desta instituição em 19 de Junho de 1903 e efetivado como professor em 7 de Junho de 1904, onde permaneceu atuante por mais de três décadas, tendo, dentre seus alunos notórios, o flautista Agenor Bens. Fundou a Sociedade de Música de Câmara para Instrumentos de Sopro, inspirado em uma sociedade similar da França. Casou-se em 15 de Fevereiro de 1915 com Rosina Montefusco de Assis e teve dois filhos – Rosina e Antônio. Faleceu no dia 4 de Maio de 1947.
De obra escrita, deixou o livro Manual do flautista, publicado em 1925, e contribuições para alguns periódicos, como a Revista Brasileira de Música, o Brasil Musical e para o jornal Sinfonia, órgão informativo do Sindicato de Músicos Profissionais do Rio de Janeiro. 
Não encontrei qualquer menção sobre composições de Pedro de Assis na literatura, mas, no material que me é disponível, há, de sua autoria, a partitura de uma canção – Sempre Bella –, com letra de Tobias Barreto, e partituras de outras oito músicas religiosas, com arranjos para orquestra feitos pelo autor. Dentre estas o poema sinfônico São Pedro e São Paulo, uma Prece, um Tantum Ergo, uma Jaculatória, uma Ave Maria.  
Um fato notório sobre Pedro de Assis é a sua ligação com o início do registro sonoro em disco no Brasil. Os primeiros discos com gravações feitas no Brasil foram lançados pela Casa Edison do Rio de Janeiro com o selo Zon-o-phone, entre 1902 e 1904. Uma busca atenta na Discografia Brasileira de Música em 78 rpm, publicada pela Funarte em 1982, revela que o único solo instrumental que aparece explicitamente em disco Zon-o-phone é o de número de série 1652, com a música “A filha do Faraó”, fantasia interpretada em solo de flauta pelo Maestro Assiz, não havendo razão alguma para imaginar que o referido maestro se trate de outro flautista senão Pedro de Assis. Existem muitas lacunas no conhecimento sobre esta fase inicial da discografia brasileira, mas encontrei indícios de que o disco Zon-o-phone 1651, que não consta na discografia publicada pela Funarte, com a polca “Saudosa” em solo de flauta, também tenha sido interpretado pelo Pedro de Assis. Com o mesmo selo, também há várias gravações de arranjos instrumentais para a Banda da Casa Edison e umas poucas de um conjunto de instrumentos de sopro que se intitulava Um grupo da Cidade Nova, além de uma polca interpretada por um certo Maestro Antão. De qualquer forma, os discos do Pedro de Assis têm o marcante título de estar, não apenas entre os primeiros solos de flauta, mas entre os primeiros solos instrumentais lançados em disco no Brasil.
Os dados biográficos aqui apresentados são bem resumidos, mas suficientes para sugerir que Pedro de Assis, tão desconhecido até o momento, seja reconhecido em sua trajetória artística por composições, textos escritos, pelos alunos que formou e ainda por sua vinculação com os primeiros discos instrumentais lançados no Brasil.