Memória

Evaldo Rui, moço pra tanta tristeza

Por Gerdal José de Paula - 10/07/2013

Pra que esta rede a embalar?/eu pergunto pra que este céu, este mar/se eu não tenho você pra podermos sonhar sob a luz do luar..."

Amar sem ser amado ou, pelo menos, com desnível interativo na labareda que arde no peito pelo sentimento: desse modo, vidas mal traçadas se esvaem, como que levadas, ao ritmo inquieto e nervoso de um bandoneón, por caminhos descruzados. Sucedeu assim - ou, por essa razão, ao menos em parte, teria sucedido -, até tragicamente, com Evaldo Rui, que, ainda moço pra tanta tristeza, cometeu, em 4 de setembro de 1954, o tresloucado gesto por, segundo o jornal "Gazeta de Notícias", Elizeth Cardoso, cantora que ele, como diretor artístico da Rádio Mauá, ajudara a projetar, a exemplo de Roberto Silva.

Embora saído do seu caminho, presumivelmente, muito antes do chamado natural e indefectível do Altíssimo, escreveu Evaldo o seu nome como um dos mais notáveis letristas românticos da MPB, mormente na parceria com Custódio Mesquita, como também o fez seu irmão, Haroldo Barbosa - este ainda pelo filão chistoso -, na parceria com outro pianista, Luiz Reis. Ambos, Haroldo e Evaldo, tiveram, do mesmo jeito, na extinta Rádio Philips, o despertar profissional, com Haroldo, como contrarregra do "Programa Casé", substituindo Evaldo, que conheceria salas, estúdios e corredores de outras estações, como a Educadora (futura Tamoio), a Guanabara e a Nacional, nesta atuando como chefe de discoteca.

Apelidado de Espanador da Lua, ou Espana, pelo espichado da altura e lembrado por amigos pela sua generosidade, interveio Evaldo, quando trabalhou em Sampa, em favor de Inezita Barroso para que debutasse ao microfone, cantando, em 1950, na Rádio Bandeirantes, segundo a informação de Lúcio Rangel. O mesmo crítico de música popular que dele teve grande incentivo para que, de 1954 a 1956, publicasse o mensário "Revista da Música Brasileira" - não faz muito, relançado em livro da Funarte/Bem-te-vi com todos os exemplares compilados. Ainda naquele 1950, na parceria com um pernambucano, Fernando Lobo, adveio, por Linda Batista, um grande sucesso, a batucada "Nega Maluca", campeã de concurso oficial de músicas de carnaval. Da vida como ela foi - e sempre será, em seus inusitados rodriguianos -, veio, de chofre, como que do nada, num bar, o fato inspirador a um atento circunstante que, pouco depois, com o estribilho na ponta da língua e o parceiro já inteirado da cena tintim por tintim, remataria o supracitado clássico - Fernando fazendo os quatro versos seguintes e o mulato Evaldo os quatro finais, como aquele, hoje "politicamente incorreto", da "influência da cor".

Tamanho foi o sucesso desse samba que, na recorrente estereotipia da nossa maior festa popular, até fantasia inspirou, com desenho de Fernando Lobo atendendo a demanda de confecção e venda da muito frequentada A Exposição. Uma loja cujas extintas vitrines associam-se, pois, à memória de um carioca da gema, nascido em Vila Isabel em 9 de abril de 1913. Como os ilustres Cyro Monteiro, Vinicius de Moraes e Wilson Batista, também centenário, mas, não obstante a mesma razão "redonda", como Lina Pesce, Dilu Melo, Paulo Tapajós, Joel de Almeida e Manezinho Araújo, praticamente esquecido nos "mass media".