Memória

Elizeth Cardoso, a mais amada

Por Luís Pimentel - 26/07/2010

Este ano, neste mês de julho, comemorou-se o centenário de Elizeth Cardoso, exatamente nos 20 anos de sua morte . Foi Chico Buarque quem disse: “Elizeth é a nossa cantora mais amada. Voz de mãe, mãe de todas as cantoras do Brasil”. O que o Chico fala ou escreve não se discute, e quem já ouviu a Divina, uma vez que seja na vida, sabe exatamente o que o poeta quis dizer. A mãe de todas as cantoras do Brasil cantou para este país, feito um canário da terra, por mais de 50 anos. Dos primeiros acordes na Rádio Guanabara, em 1936 (descoberta por Jacob do Bandolim), aos últimos acordes de seu coração, em 1990.

Menina de infância pobre e adolescência humilde, Elizeth trabalhou como pedicure, cabeleleira, telefonista e vendedora de cigarros. Mais tarde, depois de um casamento equivocado e um filho para criar, foi táxi-girl de casa noturna (o Dancing Avenida). Tudo isto, antes do transcendental encontro com Jacob e dos desdobramentos felizes que o destino lhe trouxe: conhecer o poeta e produtor Herminio Bello de Carvalho, que a dirigiu em shows, a ajudou a escolher repertório, cuidou de sua carreira e de seu coração. Mais detalhes, na biografia da Divina, Elizeth Cardoso, uma vida, escrita pelo jornalista Sérgio Cabral.

Mais detalhes ainda, com direito à voz, aos suspiros e depoimentos da cantora, só correndo atrás da caixa de CDs Faxineira das Canções (nome de uma linda música de Joyce, gravada por Elizeth no disco Luz e Esplendor, de 1989), que a gravadora Biscoito Fino lançou em 2003. Traz quatro álbuns fundamentais dessa que é uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos: além de Luz e Esplendor, tem Todo o Sentimento (de 1990), Ary Amoroso (1990) e Elizeth Jacob do Bandolim Zimbo Trio Época de Ouro (1969).

Até o dia em que o coração inquieto da doce cigarra parou de bater, Elizeth Cardoso cantou, encantou, despertou emoções e paixões. A mais insistente teria sido o poeta Vinicius de Moraes. Conta Hermínio, em texto de apresentação da obra, que “Elizeth andava perdendo a paciência com aquele assédio (por parte de Vinicius) e apelou para seu amigo Antonio Maria. O poeta cismara de dormir com ela. As cantadas se sucediam, e ela firme nas negativas. O bom Maria deu a dica para a amiga: “Quando ele der de novo em cima de você, diga assim, na lata: então tem que ser agora”! Dito e feito. Vinicius amarelou, pediu um uisquinho, mudou o rumo da conversa – e a amizade nunca acabou sob os lençóis”.

Nas quatro preciosas coletâneas reunidas em Faxineira das canções, que tive o prazer de revisitar por esses dias, temos Elizeth Cardoso cantando os melhores momentos da música brasileira, sem qualquer exagero: Tom e Vinicius (Se todos fossem iguais a você e Modinha, entre outras), Jacob e Herminio (Doce de coco), Baden e Paulinho Pinheiro (Cabelos brancos e Voltei, e várias outras), Walter Queiroz (Luz e esplendor), Cartola e Herminio (Camarim), Herivelto Martins e Aldo Cabral (Bom dia), Ary Barroso (Na batucada da vida, Camisa amarela, Folha morta e muitas outras, um disco inteiro), Noel Rosa (Feitiço da Vila), Luiz Reis e Haroldo Barbosa (Nossos momentos), Pixinguinha e Vinicius (Lamento e Mundo melhor), Chico Buarque (Carolina), Carlinhos Lyra (Derradeira primavera).

Elizeth é a MPB em estado puro. É para sempre.