Memória

Batatinha: o samba da boa terra

Por Luís Pimentel - 05/08/2010

“Todo mundo vai ao circo, menos eu/Como pagar ingresso, se não tenho nada?/Fico de fora escutando as gargalhadas” (O circo). Chamava-se Oscar da Penha e nasceu em 1924, no dia 5 de agosto, em Salvador, Bahia. Conhecido na Música Popular Brasileira – onde fez parte da galeria reservada aos maiores – como Batatinha, morreu em 1997. Amigo e parceiro dos compositores Riachão, Panela, Edil Pacheco e Ederaldo Gentil, com os quais formou o quinteto sagrado do samba da boa terra, Seu Oscar jamais conseguiu viver de música.

Gráfico por profissão, trabalhou até se aposentar nas linotipos do Diário de Notícias, em Salvador. Em sua última entrevista, publicada no ano de sua morte na Revista da Bahia, Batatinha disse que começou a compor e a cantar quando ouviu pela primeira vez um samba de Vassourinha. E teve a certeza de que não pararia mais quando começou a sentir as fortes influências do samba carioca: “O samba carioca era o que a gente mais ouvia. O que poderíamos fazer se nós não gravávamos? A gente tinha que seguir a malandragem carioca. Depois caí fora daquelas influências todas, né? Me personalizei”.

Por personalizar entenda-se pegar o rumo do samba baiano, de música de influências diretas pelos temas regionais e culturais da Bahia. No início dos anos 40, o compositor ainda era apenas Oscar, office-boy (depois tornou-se linotipista) do Diário de Notícias, órgão dos Diários Associados. Nessa época, chegou a Salvador o jornalista e compositor Antonio Maria, para dirigir a Rádio Sociedade da Bahia. Batatinha procurou Maria e apresentou para ele o seu primeiro samba: Inventor do trabalho (“O tal que inventou o trabalho/Só pode ter uma cabeça oca/Pra conceber essa idéia louca”). Começou a se apresentar na Rádio Sociedade, no programa Campeonato do Samba. “Depois fiz uma série Olha aí o que é que há?, Iaiá no samba, Eu sou o cobrador, Feijoada do samba de sambas para o conjunto Ases do Ritmo, que já existia. Fiz, todos da década de 40. Comecei a fazer meus rascunhozinhos e minhas besteiras na década de 40”.

Depois seus “rascunhozinhos” foram sendo passados a limpo em diversos ritmos. Fez marchas, músicas para o carnaval, sambas de roda, samba-canção, sozinho ou com os parceiros mais variados. O apelido foi dado por Antonio Maria, na apresentação para o programa: “Com vocês, Oscar da Penha, o Batatinha”. Depois explicou: “Fica todo mundo te chamando de Vassourinha, por causa do samba. Vassourinha é lá em São Paulo, rapaz. Aqui temos o Batatinha”. E ficou, para sempre.

Batatinha teve suas músicas gravadas por Jamelão, Nora Ney, Tião Motorista, Caetano Veloso, Maria Bethânia e outros. Teve grandes parceiros: J. Luna (“Se eu deixar de sofrer/Como é que vai ser?Para me acostumar?/Se tudo é carnaval/Eu não devo chorar/Pois preciso me encontrar” – Hora da razão), Jamelão (“A cabrocha é boa/Apesar de ser coroa/Mas o Jajá da Gamboa/É o dono da situação/Ela lhe dá boa vida/Não é feito a Margarida” – Jajá da Gamboa) e Paulo César Pinheiro (“Sou profissional do sofrimento/Professor do sentimento/Do amor sou artesão/Mestre do viver já fui chamado/Conselheiro do reinado/Cujo rei é o coração” – Conselheiro) estão entre eles. E deixou três discos gravados, todos fora de catálogo (Samba da Bahia, 1973; Toalha da saudade, 1976; e o disco comemorativo do seu cinqüentenário artístico, Batatinha, 50 anos de samba, feito em 1993).

A Bahia tem muitos artistas ilustres, alguns com suas obras reconhecidas no mundo inteiro. Mas é preciso que nunca se esqueça de Batatinha, um poeta popular de alta nobreza, que jamais saiu de Salvador, fez seu roteiro de vida entre a Baixa do Sapateiro, Barroquinha, Praça Castro Alves e Pelourinho, mas produziu uma obra de dimensões incalculáveis.