Homenagens

Niltinho Tristeza: um bamba que o carnaval firmou

Por Gerdal José de Paula - 16/01/2013

"Amor, não me leve a mal/hoje não vou lhe ver porque é carnaval/ligue a televisão/e veja o baile do Municipal/hoje eu sou só folia, colar da Bahia e chinelo novo/quero esquecer a vida, cair na avenida, me perder no povo..."

Prezados amigos,

Com esse samba, dos versos acima, lindo e contagiante ("Chinelo Novo", um dos últimos de sucesso feitos para o carnaval), o Cacique de Ramos, em meio aos confetes e às serpentinas de 1971, arrastou uma multidão pela Av. Rio Branco num desfile estupendo. Feito por Niltinho Tristeza, com João Nogueira (que, no ano anterior, levara o parceiro para o embalo desse bloco da Leopoldina) "Chinelo Novo", anos depois, teria uma vibrante regravação de Emílio Santiago e, na carreira do ex-funcionário do INPS e ex-linotipista Nílton de Souza, representaria o marco inicial da sua inserção duradoura em Ramos, onde mora, já que, em 1972, outro parceiro, Zé Catimba, seria o elo de sua fixação na Imperatriz, a cuja ala de compositores até hoje está filiado.

Criado por Niltinho, o refrão "liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós/e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz", do samba-enredo triunfante na Sapucaí em 1989, é, pelo que representou na passarela e, ainda, pelo anseio natural e universal que exprime, um emblema da lira popular nele encarnada.

Nascido na Rua Real Grandeza, em Botafogo, onde também foi criado, Niltinho tem brilho expressivo no chão de estrelas local e, por isso, alvo de merecida citação num belo samba-exaltação que Paulinho da Viola, outra cria do bairro, e Aldir Blanc, este do Estácio, compuseram para reverenciar figuras que tornaram esse recanto da Zona Sul referência de excelência no carnaval de rua carioca. A propósito, foi embalando o cortejo dos Foliões de Botafogo pelo bairro, em 1963, que surgiria um samba de letra originalmente extensa, "Tristeza" (hoje com mais de 500 gravações), e internacionalmente conhecido, até mesmo faixa-título de um dos elepês do renomado pianista canadense Oscar Peterson. 

Morando no vizinho Jardim Botânico e apreciador desse samba, o imortal Haroldo Lobo (um midas da marchinha carnavalesca, autor - com Nássara - de "Alalaô") vislumbrou em "Tristeza" uma repercussão em larga escala se encurtado de versos para conquistar a simpatia e o coração do folião de recinto fechado, o folião de salão. Com a concordância de Niltinho e o "penteado" de Haroldo, "Tristeza", com nova letra inspirada na anterior e uma ou outra alteração de compasso, teve a primeira e bem-sucedida gravação feita para o carnaval de 1966 por um bom cantor, ex-policial, Ary Cordovil e, logo após, ajudado pela grande audiência do programa "o Fino da Bossa", na TV Record, por um de seus apresentadores, Jair Rodrigues. 

Ironicamente falecido meses antes do carnaval de projeção de "Tristeza" para o mundo, Haroldo não provaria o gosto do sucesso farejado por ele num samba motivado por uma briga do parceiro com uma namorada, Neuza Maria (dançarina de shows de ziriguidum do "sui generis" Sargentelli), com a qual depois se casaria e vive até hoje.