Homenagens

Marcos Valle, 70 anos

Por Gerdal José de Paula - 19/09/2013

"Oi, Kostenbader!" Com essa saudação, num ônibus, ao jovem Marcos Kostenbader Valle, outro jovem, Eduardo de Goes Lobo, sem saber, estava vislumbrando percursos de excelência na MPB - o dele, Edu Lobo, o de Marcos e o de Dorival Tostes Caymmi, Dori, todos nascidos em 1943, os quais, pouco depois, formariam um trio, plenamente identificados com o apelo da "batida diferente". Para Marcos Valle, aquele reencontro casual, em 1962, entre ex-colegas de Santo Inácio e de papo sobre música - inspirado pelo violão que Edu Lobo portava - traria consequências felizes - encontros com Ary Barroso e boa parte da turma da bossa, no apê do autor de "Risque", e com Milton Miranda, na Odeon, levado por Roberto Menescal (também Tita a acompanhá-los), para dizer, tocando e cantando, a que vinha. Surpreendentemente àquele surfista louro ainda tímido na onda fonográfica, descendente de alemães (mãe e avó - mãe desta - pianistas), não só agradou em cheio ao diretor artístico da gravadora, como também, consequente ao sinal verde, viria o primeiro contrato, pelo qual ele mesmo daria voz às suas criações - uma delas, que gravaria ("Sonho de Maria", a primeira feita com o aviador e instrutor de voo Paulo Sérgio Valle (foto abaixo), seu irmão e letrista mais constante), já conhecida no avanço do Tamba Trio.

Dali para a frente, nova sequência de portas e janelas abertas à plena floração de um talento antenado, cuja discografia, ampla e furta-cor, reflete desassossego criativo e até experimental (como na contracultura e psicodelia de "Vento Sul", em 1973, disco resultante de fase hippie em Búzios e feito com o grupo O Terço); viagens ao exterior (morando nos EUA algumas vezes, onde, pelo Black Powell visto em Los Angeles, se inspirou para compor "Black ìs Beautiful") e pegada inovadora nos "grooves". Se nos seus dois primeiros elepês, a bossa era sua praia de expressão, outras levadas, como o jazz, o baião e o pop - parte delas ecos da informação musical da infância, também vivida pelo piano clássico em conservatório -, trariam novo "punch" a produções vindouras, assim como o romantismo inicial de "Samba de Verão" e "Ainda Mais Lindo" cederiam primazia, na lira de Paulo Sérgio, a letras com crítica à sociedade de consumo ("Garra" e "Mustang Cor de Sangue"), ao comportamento social ("Ossos do Barão" - tema de abertura) e à ditadura militar (a seresteira "Viola Enluarada"). A canção de fim de ano para a TV Globo ("...hoje a festa é nossa, é de quem vier..", com letra do mano e de Nélson Motta), até hoje no ar, já lhe sorria, quando da encomenda da emissora, em um novo tempo de sucesso, nesta ainda movido por trilhas memoráveis para seriados e novelas, como "Vila Sésamo", "O Cafona" e "Selva de Pedra", e, na Aquarius, produtora própria,  por "jingles" bem conhecidos. Redescoberto, nos anos 90, por DJs londrinos e movimentando pistas do Velho Mundo com suingue de pulsação eletrônica, Marcos teve há pouco, reunidos numa caixa, seus dez álbuns lançados pela extinta Odeon (1963-1974).

Retrospecto sugestivo do que de melhor se fez na MPB, no período, por um artista luminoso, de lua e estrela. Um Kostenbader - o tempo diria - que "valle" quanto pesa.