Marcos Valle, 70 anos
"Oi, Kostenbader!" Com essa saudação, num ônibus, ao jovem Marcos Kostenbader Valle, outro jovem, Eduardo de Goes Lobo, sem saber, estava vislumbrando percursos de excelência na MPB - o dele, Edu Lobo, o de Marcos e o de Dorival Tostes Caymmi, Dori, todos nascidos em 1943, os quais, pouco depois, formariam um trio, plenamente identificados com o apelo da "batida diferente". Para Marcos Valle, aquele reencontro casual, em 1962, entre ex-colegas de Santo Inácio e de papo sobre música - inspirado pelo violão que Edu Lobo portava - traria consequências felizes - encontros com Ary Barroso e boa parte da turma da bossa, no apê do autor de "Risque", e com Milton Miranda, na Odeon, levado por Roberto Menescal (também Tita a acompanhá-los), para dizer, tocando e cantando, a que vinha. Surpreendentemente àquele surfista louro ainda tímido na onda fonográfica, descendente de alemães (mãe e avó - mãe desta - pianistas), não só agradou em cheio ao diretor artístico da gravadora, como também, consequente ao sinal verde, viria o primeiro contrato, pelo qual ele mesmo daria voz às suas criações - uma delas, que gravaria ("Sonho de Maria", a primeira feita com o aviador e instrutor de voo Paulo Sérgio Valle (foto abaixo), seu irmão e letrista mais constante), já conhecida no avanço do Tamba Trio.
Dali para a frente, nova sequência de portas e janelas abertas à plena floração de um talento antenado, cuja discografia, ampla e furta-cor, reflete desassossego criativo e até experimental (como na contracultura e psicodelia de "Vento Sul", em 1973, disco resultante de fase hippie em Búzios e feito com o grupo O Terço); viagens ao exterior (morando nos EUA algumas vezes, onde, pelo Black Powell visto em Los Angeles, se inspirou para compor "Black ìs Beautiful") e pegada inovadora nos "grooves". Se nos seus dois primeiros elepês, a bossa era sua praia de expressão, outras levadas, como o jazz, o baião e o pop - parte delas ecos da informação musical da infância, também vivida pelo piano clássico em conservatório -, trariam novo "punch" a produções vindouras, assim como o romantismo inicial de "Samba de Verão" e "Ainda Mais Lindo" cederiam primazia, na lira de Paulo Sérgio, a letras com crítica à sociedade de consumo ("Garra" e "Mustang Cor de Sangue"), ao comportamento social ("Ossos do Barão" - tema de abertura) e à ditadura militar (a seresteira "Viola Enluarada"). A canção de fim de ano para a TV Globo ("...hoje a festa é nossa, é de quem vier..", com letra do mano e de Nélson Motta), até hoje no ar, já lhe sorria, quando da encomenda da emissora, em um novo tempo de sucesso, nesta ainda movido por trilhas memoráveis para seriados e novelas, como "Vila Sésamo", "O Cafona" e "Selva de Pedra", e, na Aquarius, produtora própria, por "jingles" bem conhecidos. Redescoberto, nos anos 90, por DJs londrinos e movimentando pistas do Velho Mundo com suingue de pulsação eletrônica, Marcos teve há pouco, reunidos numa caixa, seus dez álbuns lançados pela extinta Odeon (1963-1974).
Retrospecto sugestivo do que de melhor se fez na MPB, no período, por um artista luminoso, de lua e estrela. Um Kostenbader - o tempo diria - que "valle" quanto pesa.