Homenagens

Elizeth Cardoso – centenário de nascimento

Por Alberto Buaiz Leite - 27/07/2020

Ela recebeu vários títulos. Um deles foi “A Magnífica”, dado pelo jornalista Mr. Eco. Este talvez tenha sido o mais apropriado, uma vez que foi uma cantora completa e, segundo muitos, a maior que o Brasil já teve. Gravou mais de 100 discos entre LPs e 78 RPm. Foi a cantora que mais gravou discos no Brasil. Elizeth Moreira Cardoso nasceu em 16 de julho de 1920, no Rio de Janeiro. Passou sua infância entre os bairros de São Francisco Xavier, Méier, Engenho de Dentro, Jacarepaguá e Centro. Desde criança, teve vontade de ser cantora, talvez pela influência do pai, que era violonista e da mãe, que gostava de cantar e sempre levava a filha nas festas na casa de Tia Ciata. Também era levada aos eventos da “Sociedade Familiar Dançante e Carnavalesca Kananga do Japão”, onde seu tio era dirigente. Lá, cantou pela primeira vez, aos cinco anos, acompanhada pelo conjunto da casa. Mas sua infância não foi só de música e divertimento, pois começou a trabalhar ainda criança, para ajudar a família. Vendeu cigarros numa charutaria no Centro, e depois foi operária, balconista e cabeleireira.
     Aos 16 anos, morava na Rua do Resende, com a família e houve uma festa de aniversário para ela. Lá estavam vários músicos como Pixinguinha, Dilermando Reis, Jacob do Bandolim e João da Baiana, amigos de seu tio Pedro, que era violonista e frequentador das rodas de samba e choro. O tio fez questão de que os amigos a ouvissem cantar e Jacob com seu grupo a acompanhou. Ao final da apresentação, o bandolinista a elogiou muito e convidou-a para apresentar-se na rádio Guanabara. Foi o início de sua carreira. Passou a cantar semanalmente na rádio, no programa “Suburbano”, de grande audiência. Lá, cantou ao lado de Vicente Celestino, Noel Rosa, Marilia Batista e Aracy de Almeida e prosseguiu a carreira, cantando em outras rádios. Mas, nestas emissoras, o salário não era muito alto, então passou a apresentar-se em teatros, circos e cinemas. Atuou em teatro de revista, onde conheceu o comediante e cavaquinista Ari Valdez, com quem se casou em 1939. O casamento durou alguns meses, mas da união nasceu o filho Paulo Valdez, que se tornou cantor e compositor. Elizeth já tinha uma filha adotiva, Teresa e, com dificuldades financeiras, passou a exercer o trabalho de dançarina, no “Dancing Avenida”. Depois, tornou-se cantora da orquestra deste clube dançante.
Durante a década de 1940, permaneceu atuando nas rádios e teatros e cantando em clubes de dança. Sua carreira tomou impulso em 1950, quando lançou seu primeiro disco, graças à ajuda de Ataulfo Alves. Era um 78 RPm, lançado pela gravadora Star, contendo os sambas “Braços Vazios” de Acir Alves e Edgard Alves e “Mensageiro da Saudade” de Ataulfo Alves e José Batista. O primeiro sucesso foi “Canção do Amor” de Chocolate e Elano de Paula lançado, no mesmo ano, pela gravadora Todaamérica.
Na década de 1950, tornou-se uma cantora mais requisitada. Foi contratada das rádios Mayrink Veiga, Tupi e Record e apresentou-se em várias boates. Atuou nas TVs Tupi, Rio e Record e participou de vários filmes brasileiros. O ano de 1958 foi bastante importante em sua carreira, ao lançar, pela gravadora Festa, o LP “Canção do Amor Demais”, só com músicas de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Este disco é considerado o marco da Bossa Nova, pela presença de João Gilberto, com sua nova batida no violão em “Chega de Saudade” de Tom e Vinícius e “Outra Vez” de Tom Jobim. Outro momento marcante da carreira foi a apresentação das” Bachianas Brasileiras nº 5” de Villa-Lobos, em 1964, no Teatro Municipal de São Paulo e do Rio. Foi um espetáculo bastante elogiado pela crítica. Em 1965, gravou um LP importantíssimo para sua discografia: “Elizeth Sobe o Morro”. Neste disco gravou compositores ligados às escolas de samba, como Nelson Cavaquinho, Cartola, Elton Medeiros, Anescarzinho, Jair do Cavaquinho, Candeia, Nelson Sargento, Zé Keti e Paulinho da Viola. Em 1968, mais um momento histórico de sua trajetória artística: o espetáculo, no Teatro João Caetano, ao lado de Jacob do Bandolim , do Conjunto Época de Ouro e do Zimbo Trio, sob a direção de Hermínio Bello de Carvalho. A sua interpretação de “Barracão” de Luis Antonio e Oldemar Magalhães, no espetáculo, é considerado um dos momentos mais bonitos da história da música brasileira.
Nas décadas de 1970 e 1980 sua carreira prosseguiu com sucesso. Gravou inúmeros LPs, fez muitas apresentações pelo Brasil e realizou temporadas no Japão, França e Estados Unidos. Em 1987, quando estava no Japão, passou mal e descobriu que estava com câncer no estômago. Voltando ao Brasil, continuou a trabalhar, mas já com a saúde debilitada. A cantora faleceu em 07 de maio de 1990, no Rio de Janeiro.
Elizeth Cardoso foi uma excepcional cantora. Soube unir emoção, afinação e equilíbrio no seu canto. Era exigente consigo e isto a tornou uma artista exemplar, influenciando inúmeras cantoras. Além disso, a bondade, a dignidade e a elegância no seu comportamento foram suas marcas. Foi a dama do cancioneiro brasileiro.