Homenagens

Altamiro Carrilho: papo de anjo

Por Daniel Brazil - 22/08/2012

Altamiro chegou ao céu, e teve uma surpresa. São Pedro, apreciador de boa música, escalou o Poyares para recebê-lo.

– Rapaz, mas você está o mesmo!

– Ô Carrilho, aqui a gente não envelhece, pô!

– Como não? Estou com a cara toda amarrotada, espiei no retrovisor de um Boeing que estava passando!

– Depois eu que tenho fama de mentiroso...

– Ah, que é isso, tua fama lá na Terra é de grande flautista!

– Não maior que você, Carrilho. Aliás, vou te confessar: sempre tive uma pontinha de inveja de teu sucesso.

– Imagine! Tive mais sorte, rodei um pouco mais...

– Não seja modesto. Você toca de tudo um pouco, capaz de tocar até em canudinho de refrigerante furado!

– Bom, vou ser sincero. Realmente, acho que toquei mais variedade, música de concerto, e tal... Mas na roda de choro você era insuperável! Era... ou é? Como se diz por aqui?

– Continuamos na ativa. Aliás, eu sempre achei isso. Você era mais músico, nunca foi um cara só de choro. Mas tô aprendendo uns truques com o Benedito, logo te alcanço.

– Benedito Lacerda, meu mestre? Ele está aqui?

– Uai, e onde estaria? Tem roda de samba e choro toda noite, depois que São Pedro baixa a porta do boteco. É uma briga de flauta danada, tem o Copinha, o Dante Santoro, o Plauto Cruz, o Manezinho, o João Carrasqueira...

– Rapaz, a gente nunca admitiu, mas esse pessoal tocava pra caramba! Mas o Manezinho fez carreira no Rio de Janeiro. Essa história de ir pra São Paulo foi depois de velho.

– Ah, o povo inventava muita rivalidade de mentira, naquela época. Lembra que viviam falando da gente?

– Pois é, e mais de uma vez tocamos juntos!

– Mais de uma?!? Mais de dez!

– É mesmo. Só naquele disco, Pixinguinha de Novo, da Marcus Pereira, são 12 faixas do mestre.

– Aliás, gravei tanta coisa tua... Você tem valsa e choros lindos, que pouca gente conhece.

– Poyares, assim você me deixa sem jeito...

– No meu penúltimo CD, Uma Chorada na Casa do Six, gravei Minha Viagem, Sentimental, Misterioso... tinha mais uma, não estou lembrando agora!

– Pé na Tábua! A melhor gravação que já ouvi de meu choro. Você foi insuperável, Poyares! Aliás, tem uma turma de São Paulo que gravou um CD inteiro com músicas minhas, fiquei super orgulhoso: o Grupo Ó do Borogodó.

– Ih, rapaz, esse não ouvi, a distribuição aqui em cima também é uma droga... Mas conheci aquele povinho, é gente batuta. Você vai ver o que a turma da velha guarda fala de você.

– Ué, velha guarda não somos nós?

– Somos garotos, perto deles. O Callado, o Patápio...

– Tá brincando!! Se eu encontrar esses caras eu morro de emoção!

– Não morre de novo, nem que queira. O Patápio adora ouvir você tocando Primeiro Amor.

– Você também era bamba nessa música.

– Ah, você é mesmo meu irmão! Espia só quem vem ali.

– Benedito! Não acredito!

– Ih, deu pra fazer rima agora? Olha só quem está com ele.

– Pixinguinha? Parece mais jovem...

– Quem mais? E olha, ele toca flauta pra caramba.

– Puxa, só conheci ele tocando sax...

– Aqui você escolhe a melhor idade, não é aquela frescura lá de baixo. E se prepare, meu irmão, porque o homem inventa uns negócios que deixa todo mundo engasgado!

E lá foram nuvem afora, rindo e contando causos. Naquela noite as flautas tomaram conta da roda, deixando até o Jacó enciumado.