Especial

A viola nas telas

Por Daniel Brazil - 25/07/2013

O cinema brasileiro tem apresentado, nos últimos anos, uma série de documentários abordando a música popular. Ora enfocando personalidades (Cartola, Paulinho da Viola, Bethânia, Simonal, Macalé, Mautner, Humberto Teixeira, Tom Zé, Tom Jobim e vários outros), ora enfocando movimentos ou épocas. Há até mesmo filmes sobre determinados instrumentos, como o belo O Milagre de Santa Luzia, sobre a sanfona e os sanfoneiros.


Chegou agora a vez da viola, pelas mãos de Reinaldo Volpato, que nasceu e mora no interior de São Paulo, tendo estudado cinema na USP. Lançado em julho de 2013 no Memorial da América Latina, o filme A Moda É Viola conta a história do instrumento desde sua chegada ao Brasil, no período colonial.


Em conversa com a RMB, Volpato se revela um atento analista do panorama musical contemporâneo, situando a viola no contexto do século XXI, sem saudosismos.
- Como e quando surgiu a ideia de realizar um longa sobre a música caipira?


O Romildo Sant'Anna escreveu sua tese de livre-docência "A Moda É Viola - Ensaio do Cantar Caipira" e imediatamente imaginei realizar o filme, principalmente para tentar uma visura mais popular do assunto, já que sua tese é muito sofisticada, de leitura complexa para o público não acadêmico. Ficamos mais de 10 anos batalhando e, através de uma coprodução da minha produtora Taus Audiovisuais com a TV Cultura e com a HD Biz Produções Audiovisuais, o projeto se realizou como documentário de longa-metragem.


- Você utilizou muito material de arquivo. Foi preciso muito tempo de pesquisa?
Sim, fiquei quase dois meses imerso no material da TV Cultura, mais de 8 horas por dia, principalmente do programa Viola, Minha Viola; mas tive acesso a outros materiais também, de outros programas. E acervos de vários violeiros, como o Ricardo Vignini, do Matuto Moderno, do Fabius, do Trio Tamoyo, algumas coisas dos videomakers de Rio Preto, dos outros filmes do acervo da Taus e outras produtoras, do próprio Romildo Sant'Anna... Depois gravamos três longas sessões de entrevistas com o Romildo, materiais de cobertura, o Renato Brito deu uma grande força com sua criatividade e competência na computação gráfica e pós-produção. Fiquei meses em montagem, até descobrir a linha narrativa definitiva do documentário: compreender a força da música para além da descrição foi uma sacada criativa bem legal. Acho que é a grande força do filme, depois da competência do Romildo na apresentação e nas ideias originais e genuínas.
- Como você analisa a música dita “sertaneja” contemporânea? O que se ganhou e se perdeu em relação à música caipira?
Esse tema é bastante controvertido, provoca paixões estrondosas de todos os lados. Nós procuramos dar uma opinião durante o filme, e a acho justa. O que se perdeu em características estéticas, ganhou-se em visibilidade comercial. A atual música sertaneja é um produto industrial poderoso e tem seu lugar, aliás, com grande destaque. Talvez seja o mais popular produto da indústria cultural e isso não é nem bom nem ruim pra Música Raiz; esta segue célere entre seu público altivo e fiel. Mas está em andamento um processo de renovação e fortalecimento desta vertente cultural brasileira que é incontestável. A viola caipira está presente em nosso cotidiano e cresce o número das pessoas que a ela se dedicam. Inclusive inaugurando uma nova fase criativa, novas propostas, novos formatos, que estão se propagando e alcançando o público em geral. É urgente batalhar pelo público jovem, convencê-lo e seduzi-lo, uma rapaziada que pode muito bem fruir a cultura rural e urbana que a viola evoca. Seria importante que os veículos de comunicação atentassem para esse fato e que dessem visibilidade para essa realidade tão explícita e promissora. Não se trata mais de curtir a viola que chora; precisamos evoluir pra uma situação de alegria e prazer musical que represente os novos tempos. O caipira já vivenciou o êxodo rural, processo dolorido mas que não tem retorno para 100% da população; hoje, trata-se de conquistar a felicidade no mundo urbano, acatando as lições que advém dos nossos antepassados que habitaram o mundo rural mas também das especificidades do mundo contemporâneo. E o universo rural hoje é completamente distinto do de antigamente, mesmo do de 40 ou 50 anos atrás. O estado de São Paulo, por exemplo, já pode ser visto, ele inteiro, como uma grande região metropolitana.
- O cinema brasileiro tem apresentado ótimos documentários sobre a nossa música. Alguns artistas ganharam biografias ficcionais, com sucesso. Você acha que esse é um caminho para valorizar a música regional?

Claro, todo esforço é legítimo e bem-vindo. Estamos continuando na nossa meta de produzir outros trabalhos sobre o universo caipira. Estou realizando um filme de ficção, longa-metragem, o "Estranhas Cotoveladas", que fala sobre a assertividade da juventude do Interior Paulista, e toda a trilha sonora é constituida por músicas de viola. Inclusive as eruditas. E tem muita gente me procurando pra tratar do assunto, querendo filmar; basta ver o Mário de Almeida, jovem cineasta, que acabou de realizar o documentário "Reis", sobre as folias de Palmital/SP. Vou colaborando conforme minhas possibilidades. 
- Onde e quando as pessoas poderão assistir A Moda É Viola?
O filme deverá ser exibido na TV Cultura logo mais; a emissora está passando por um período de reelaboração, podemos dizer, tem um novo presidente, uma nova equipe está se constituindo. Ainda não está marcada uma data pelo Departamento de Programação, mas não deverá demorar muito. Estou também negociando a possibilidade dele entrar no circuito digital de cinema, uma proposta difícil e complexa, mas que encontrou eco numa grande rede exibidora do mercado interiorano, desde São Paulo até Rondônia, passando claro pelos Matos Grossos, Minas e Goiás. Estou sonhando com essa possibilidade! Certamente vamos lançar o filme em DVD e, claro, irei exibir e debater o filme em todos os lugares que me convidarem. Com grande prazer!


O filme A Moda É Viola é dedicado a Inezita Barroso e homenageia o programa "Viola, Minha Viola". Tem a participação de violeiros, duplas e compositores como Tião Carreiro e Pardinho, Pena Branca e Xavantinho, Angelino de Oliveira, Raul Torres, João Pacífico, Pedro Bento e Zé da Estrada, Vieira e Vieirinha, Bambico, Osni Ribeiro, Matuto Moderno, Trio Tamoyo, Célia e Celma, As Galvão, Ivan Vilela, Roberto Correa, Ramiro Viola e Pardini, Tonico e Tinoco, Mococa e Paraíso, Mario Zan e Fulanos de Tal. Uma oportunidade única para ver (ou rever) alguns dos mais importantes personagens da genuína música popular brasileira!