Especial

O dia em que Marinês me confundiu com Hermeto

Por Marcio Paschoal (*) - 16/06/2017

No dia 14 de maio de 2007, vítima de acidente vascular cerebral, morria em Recife a pernambucana Marinês, também conhecida pela alcunha de rainha do forró. Dez anos depois, lembro de uma história deliciosa que aconteceu comigo e com ela, durante a pesquisa que fiz para a biografia do João do Vale.

Marinês foi fonte de inspiração para cantoras nordestinas como Elba Ramalho, que pôde homenageá-la ainda em vida, com a gravação do ótimo “Marinês & sua Gente” (selo BMG), no qual a cantora paraibana foi também produtora.

Filha de um ex-cangaceiro do bando de Lampião, Marinês (Maria Inês Caetano de Oliveira) nasceu no sertão pernambucano de São Vicente Ferrer, em 1935.

Mudando para Campina Grande, conheceu o sanfoneiro Abdias Nascimento, com quem se casou e formou dupla.

Marinês e Abdias fizeram história na rádio, sendo apadrinhados por Gonzagão que os chamava de “minha gente”, dando origem ao nome do grupo.

Com uma estrada forrozeira digna de nota, Marinês gravou mais de 40 discos, em regravações de sucessos de Jackson do Pandeiro, João do Vale e do próprio Luiz Gonzaga.

Voltemos à história que quero contar. O ano era 1999, e eu estava envolvido até a cabeça com o projeto da biografia do João do Vale. Já havia entrevistado inúmeros artistas e, por intermédio da Elba Ramalho, ficara sabendo que a cantora Marinês se encontrava no Rio, justamente para a gravação do disco produzido pela mesma Elba.

De posse do número do telefone do hotel onde Marinês estava hospedada, liguei na manhã seguinte. Ela havia saído e deixei o recado com a recepcionista.

- Quem desejava falar com Dona Marinês?

- Diga, por favor, que é Marcio Paschoal, e que mais tarde eu ligarei.

 

E assim fiz. De novo a recepcionista atendeu e me disse que Dona Marinês não estava, mas tinha deixado recado para que eu aparecesse por lá, sem falta, depois das 21hs.

De início, nada notei de estranho. E me arrumei para encontrá-la no horário combinado.

Chegando ao hotel, me apresentei.

- Sou o Paschoal. Dona Marinês está me aguardando.

A moça, então, ligou para o apartamento da cantora. A seguir, me passou o aparelho. E eu ouvi aquela voz de trovão:

- Seu f-d-p..., suba logo que eu tou te esperando, bichinho!!!

Alguma coisa deveria estar errada. Sem reação, espantado com a intimidade esquisita, me encaminhei temeroso ao apartamento indicado pela recepcionista.

No elevador, ia pensando naquela recepção entusiasta e meio fora de tom. Sua voz não parecia de raiva. Muito pelo contrário. O palavrão soara até amistoso. E o bichinho, com direito a sotaque, no final, dissipara quaisquer dúvidas. O f-d-p fora de tom e candidato a bichinho, no caso eu, apertou, então, a campainha.

De robe, cabelos em desalinho e com um copo na mão, Marinês abre a porta e, ao me ver, mostra cara de poucos amigos.

Procuro manter a naturalidade.

- Olá, Marinês, sou o Paschoal...(era melhor do que dizer que era o tal f-d-p, é claro).

Ela fez cara de quem não estivesse compreendendo bulhufas. Positivamente, eu não era o tal bichinho.

- Cadê o Hermeto? - ela perguntou.

De imediato caiu-me a ficha. O Paschoal que ela queria era o Hermeto. Não pude deixar de rir com o engano, embora Marinês demonstrasse não estar gostando nem um pouco da brincadeira. Antes que ela pudesse fechar a porta, tentei explicar tratar-se de biografia do João do Vale, e que o depoimento dela seria valioso para o trabalho, e coisa e tal.

Ainda contrariada, e deixando claro seu total e óbvio desapontamento, foi meio sem vontade, ali no corredor mesmo, me respondendo às perguntas.

Não abusei de sua paciência e procurei ser o mais objetivo possível. Para minha surpresa, a cada resposta ela ia se soltando e contando passagens divertidas da carreira de ambos.

Tudo gravado, rapidamente me despedi a tempo de ainda ouvir o seguinte recado para a recepcionista de que “se mais alguém aparecesse procurando por ela com nome de Paschoal, que ela conferisse se era o Hermeto”.

 

(*) Marcio Paschoal é escritor e autor da biografia “Pisa na fulô mas não maltrata o carcará – vida e obra de João do Vale”