Especial

O Carnaval Turbilhão de Mauricio Pereira

Por Daniel Brazil - 28/01/2010

Mauricio Pereira sempre surpreende com seu ecletismo musical. Não deve ser confundido com aqueles músicos de estúdio ou de boteco que “tocam tudo”, mas com um explorador que mergulha de cabeça em vários gêneros e, de surpresa, traz lá do fundo pérolas de muitas cores e calibres.

Com um glorioso passado experimental nos Mulheres Negras, seu trabalho autoral é mesclado por uma curiosidade musical permanente. Já pesquisou do sertanejo ao jazz, do samba ao iê-iê-iê. Atualmente se dedica à obra de Adoniran Barbosa, e vem coisa boa por aí.

Enquanto isso, lança seu mais recente trabalho, dedicado ao... Carnaval! A RMB conversou com Mauricio Pereira, e deu pra sentir que o coração do cara está cheio de confete e serpentina.

– Mauricio, que história é essa? Como surgiu esse projeto?

 Surgiu do amor que eu e os músicos do Turbilhão de Ritmos temos pela música de carnaval, pelo trabalho operário e divertido que é fazer um baile de marchinhas, por esse repertório absolutamente fantástico que são as marchas. Então, já há quase 10 anos faço bailes com o Turbilhão no carnaval, e achei que agora era hora de passar o baile prum disco.

– Adoniran te levou ao Carnaval, e vice versa, ou foram coisas paralelas?

– Coisas paralelas. Pra mim Adoniran é sinônimo de Demônios da Garoa, banda pela qual, junto com Os Incríveis, eu era fanático na infância. E nessa mesma época, eu sempre pulava o carnaval de salão, com minha roupa de caubói, e conheci as marchas. Que se tornaram fundamentais na formação da minha cabeça de artista popular brasileiro.

– Você sempre apresenta coisas inesperadas para o teu público. Como é agora cantar músicas que todos conhecem e cantam?

– Na verdade, em 2003 eu já tinha feito um disco – o “Canções Que Um Dia Você Já Assobiou – vol.1” – que era só de clássicos do rádio. Tinha desde Galopeira até Rosana, passando por Adoniran, Erasmo, Taiguara, Lamartine. Ou seja, ao mesmo tempo que eu tenho um lado autoral forte, eu sou reverente à música simples, que é o que formou a minha cabeça, e que eu entendo como música sagrada. Então, o “Canções” e o “Carnaval”, são meus discos de música sacra. Os autorais são de música profanaÂ…

– Você acha que o gênero “marchinha de carnaval” está morto? Porque os bons compositores não se dedicam mais ao tema?

– Acho que não morreu, nunca vai morrer. Mas some da mídia de vez em quando, como todos os gêneros. Tem até um certo renascimento. Acontece também que o tempo das marchinhas tinha um contexto forte, lá dos anos 20 até os 60, sei lá, as marchinhas comentavam os costumes, não tinha tevê, o carnaval tinha uma malícia e uma ingenuidade que permitiam aquelas canções safadas e inocentes. Hoje o tempo é outro, a cabeça do mundo é complexa. Mas ainda dá pra compor marchinhas, claro.

– Você pesquisou muito pra chegar a esta seleção, ou a coisa veio naturalmente?

– Não pesquisei nada, o coração me deu o roteiro. Eu e os músicos do Turbilhão temos em volta de 50 anos, brincamos ao som dessas músicas, fizemos baile, animamos o povo. E temos muito tesão de ouvir e tocar essas músicas, que são super simples, mas são muito bem construídas, na melodia, na letra, na harmonia. Obras de arte muito densas. E ao mesmo tempo

– Quem são os músicos do Turbilhão de Ritmos?

– O Turbilhão é uma banda com a qual eu faço música sagrada. Conheci a maior parte deles no programa do Marcelo Rubens Paiva na tv Cultura nos anos 90, o Fanzine. Eu era cantor e eles eram a banda do programa. Tocamos, sempre ao vivo, em 2 anos, mais de 600 canções brasileiras. Cada um tem uma história diferente. Mas todos têm em comum não ter preconceito diante de diferentes estilos e gêneros. E somos adoradores de algumas coisas que têm a ver com nossa geração: Jovem Guarda, Pop Italiano dos anos 60, Adoniran Barbosa, Marchas de Carnaval, música de rádio.

Os músicos são:

Carneiro Sândalo, bateria (Zé Geraldo, Fortuna, Karnak, Almir Sater, Marisa Orth, Sambasonics);
Reinaldo Chulapa, baixo (Originais do Samba, Sambasonics, Eliana de Lima, Ademir Assumpção, Edvaldo Santana);
Luiz Waack, guitarra (Marisa Monte, Alzira Espíndola, Edvaldo Santana, Bocato, Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Cris Aflalo, tocou comigo no cd Pra Marte);
Tonho Penhasco, guitarra (Lanny Gordin, Skowa & Mafia, Itamar Assumpção, Suzana Salles, Arrigo Barnabé, Eliete Negreiros);
Daniel Szafran, teclados (Fortuna, Ademir Assumpção, Edivaldo Santana, Zé Rodrix, Maria Alcina, Laura Finochiaro, tocou comigo no cd Mergulhar na Surpresa);
Amilcar Rodrigues, trompete e fluegel (Projeto B, Projeto Coisa Fina, Manu Maltez e Cardume, Havana Brasil).

– Pra não ficar só no Carnaval, como vai o Adoniran, cujo centenário se comemora em 2010?

– Pois é, acho que o Adoniran vai bem, a cidade sempre se lembra dele com reverência. Saem discos, livros, projetos. Eu mesmo tenho esse show só com músicas dele, que também já faço há alguns anos, com o Turbilhão. É o mesmo caso das marchinhas: adoramos e conhecemos de cór, seja como músicos, seja como ouvintes. O Adoniran é muito importante pra São Paulo porque ele botou as coisas simples da rua na nossa frente, com requinte e verdade, nos fez ver beleza onde às vezes parece que só tem feiúra e violência, nos fez ouvir nosso próprio sotaque. Importante demais pra nós paulistanos.

De fato, Adoniran inseriu uma nova sintaxe na música brasileira, e virou um brasileiro-universal por causa disso. E entre sambas e marchinhas, lá vai Mauricio Pereira, outro paulistano que tem ignorado fronteiras, derrubado preconceitos e pulado cercas e muros com sonora alegria.