Especial

No Mundo de Dori

Por Pedro Schprejer - 13/05/2010

– A pessoa pode ser moderna ou conservadora. Eu sou conservador, no bom sentido. Mas sou muito amigo do Caetano – brinca Dori Caymmi.

Radicado em Los Angeles há 20 anos, o compositor e arranjador vive com a mulher em uma casa rodeada por arvores frutíferas e pássaros, no vale de Woodland Hills.

Aos 66 anos, diz sentir saudades de muita coisa, principalmente dos pais Stella e Dorival, para quem dedica o seu novo álbum Mundo de dentro, lançado em duas versões: uma em português, voltada para o mercado brasileiro, e outra em inglês (batizada de Inner World).

O Brasil atual lhe entristece, não esconde, e o exílio voluntário é uma forma de conservar na distância um pequeno pedaço da terra natal intocado na memória – o tal mundo interior ao qual se refere o título disco.

– Guardo um Brasil afetivo nesse mundo interior, um Brasil que não tem mais. E sinto falta de muita coisa. – conta Dori – O disco é um pouco um reflexo disso, da ausência dos meus velhos.

A decisão de lançamento nas versões estrangeira e tupiniquim foi uma forma de solucionar um impasse com a gravadora, que ficou com os direitos do disco internacional. A divulgação e a distribuição da versão brasileira ficaram por conta do próprio Dori, que diz não acreditar mais em gravadoras. E é de forma independente que ele organiza um show de lançamento no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, nos nos dias 29 e 30 deste mês.

Os concertos serão também presentes para os aniversários da irmã, Nana, do pai, do casamento de Dorival e Stella, e do parceiro Paulo Cesar Pinheiro. O letrista participou de 12 das 13 canções do disco, que traz ainda participação do cantor Renato Braz, na bela Quebra-mar, e do amigo Edu Lobo, no frevo quebrado Chutando lata. Há ainda uma parceria com Chico Buarque, Fora de hora, feita para a trilha do filme Lara, em 2003.

Em seus últimos discos, Influências e Contemporâneos, Dori dedicou-se a revisitar standards da canção brasileira, deleitando-se com o mundo dos arranjos e harmonias.

– Eu gosto de acorde, não sei tocar a mesma musica igual duas vezes. Mas agora achei que estava precisando fazer algo autoral. Sempre fui marginalizado como compositor – lamenta.

Em 1966, quando concorreu com a canção Saveiros – parceria com Nelson Motta – no Festival da Canção, Dori foi obrigado a ler num jornal que a música era, na verdade, de Dorival. Segundo o compositor, houve uma tentativa, no mesmo festival, de transferir os votos que os jurados conferiram a Saveiros para a conta de uma canção concorrente. A fraude só foi evitada por causa da intervenção de um medalhão da bossa nova, que descobriu tudo na última hora e ordenou a recontagem dos votos.

“Cansei de dar porrada.” De índole combativa, tido por alguns como brigão, Dori garante estar mais calmo e recatado. – São 50 anos dando porrada, uma hora cansa – admite.

Isso não significa que ele tenha ficado mais receptivo ao que lhe desagrada.

– Queria ter a grandeza de espírito do meu pai, que sabia aceitar as coisas com aquela generosidade enorme. Eu não consigo. No Brasil, o governo dá medalha de cultura para musica brega e ninguém mais fala nada. Isso é falta de culhão.

Além de compor, gravar e desfrutar da vida calma e ordeira de Woodland Hills, Dori passou os últimos meses escrevendo as partituras de dois songbooks, um com músicas suas e outro com canções do pai. Os livros devem sair aqui até o final do ano.

Entre os artistas atuais que mais o entusiasmam, Dori cita Monica Salmaso e Sergio Santos, mas se mostra descontente com os rumos atuais da música e da política nacionais. Pretende continuar na companhia dos mestres que o acompanham desde pequeno.

– Às vezes, as pessoas criticam dizendo que não ouve um progresso na minha obra. Se é para progredir para onde a musica está indo , prefiro voltar pro Noel, pro Ary Barroso. Prefiro gostar de acorde do que de pobreza, de musica sem vergonha.