Especial

João Macacão

Por Daniel Brazil - 09/04/2009

Ele era visto de macacão pelas ruas de São Paulo, com a caixa de ferramentas na mão, rumo ao trabalho. Encanador profissional, dos bons. Na volta do trabalho, encostava nos bares e impressionava com o seu violão bem tocado. O apelido encaixou como uma luva de encanamento: João Macacão.

Não era qualquer um que tocava um violão de 7 cordas, como não é até hoje. Acompanhando uns e outros, acabou virando um dos acompanhantes favoritos de Sílvio Caldas. Por 20 anos sustentou a base do Caboclinho em tudo quanto é canto, decente ou não. Bares, boates, gafieiras, teatros, rádio, televisão. Naquele tempo, meu compadre, boate era mais decente que televisão de hoje, acredite.

Nas horas vagas, caía no choro. Seu violão era requisitado em várias rodas, e acabou participando de muitas formações daquilo que chamam de regional de choro. Tocou com o grupo de Esmeraldino Sales, figura lendária do choro paulista. Ali acompanhou Orlando Silva, Altamiro Carrilho, Gilberto Alves, Paulo Vanzolini, Elis Regina e outros craques.

Acabou formando seu próprio grupo, o Amapá. Algum tempo depois, em1988, criou o conjunto Paulistano, com os chapas Joãozinho (cavaquinho) e Tigrão (pandeiro, que gravou um CD em 2003 com várias participações especiais. Entre os vários parceiros de empreitada se destaca o bandolinista e violonista Milton de Mori, conhecido nas rodas como Miltinho, bamba de grande talento como músico e arranjador.

Quando Paulo Vanzolini gravou em 2002 seu fundamental Acerto de Contas (caixa com 4 CDs, Biscoito Fino), fez questão de chamar João Macacão para cantar duas faixas. Cantar? Sim, Vanzolini não é bobo. Quem freqüenta os botecos de samba e choro de São Paulo sabe que o João não nega fogo nos fins de noite, enchendo o ambiente com sua voz parruda e seu vasto repertório. Gravou Falso Boêmio e Maria Que Ninguém Queria de maneira irretocável, casando esplendidamente forma com conteúdo.

Quem freqüenta os redutos do samba e do choro na Vila Madalena conhece o histórico Café Du Rêve, mais conhecido como Bar do Cidão. Há anos João Macacão comanda uma noite de samba-canção e seresta, salpicada de choros, com várias participações ilustres. Quem passou por lá não esquece.

Em 2006 o João-cantor entrou no estúdio e gravou estas faixas, lançado agora pela Pôr do Som (Serestando, 2009). Logo de cara, encarou o desafio de relembrar A Volta do Boêmio, imortalizada por Nélson Gonçalves. E o faz de maneira sóbria, sem os derramamentos e vibratos que os bebuns costumam despejar na madrugada, tentando imitar o Metralha.

João soa clássico, mas não copia. Tem dicção própria, e desfia um repertório que foge da vulgaridade. O velho chapa Miltinho tocou e fez a produção musical, reunindo um monte de cobras no estúdio. Alessandro Pennezi (violão de 7), Stanley (clarinete), Camila Lordy Costa (piano), Alexandre Ribeiro (clarinete), Mauricio Freire (baixo), Roberta Valente (pandeiro), Tiquinho (trombone), Joãozinho e Tigrão do Conjunto Paulistano. E tem Marco Bertaglia, Simone Julian, Anelis Assumpção, Dado, Chico Valle...

Miltinho arrastou o pessoal da Banda Glória para o entrevero, a começar pelo chefão Fred Mazzuchelli, que divide os vocais em Gosto Que Me Enrosco (Sinhô).

Quem gosta de Monsueto (Me Deixe em Paz), Ary Barroso (Pra Machucar Meu Coração), Jair Amorim (Conceição), Herivelto Martins (Ela Me Beijou), Chico Buarque (Meu Caro Amigo) ou Noel Rosa (Quando o Samba Acabou) vai curtir bons momentos. E mesmo quem não conhece Hervê Cordovil (Jangada), Eratóstenes Frazão (Cabeça Chata) ou Klecius Caldas (Velhas Cartas de Amor), vai se divertir com a niilista E os Outros Que Se Danem Futebol Clube (Antonio de Almeida).

Um disco das antigas, dirão alguns. Disco das eternas, dirão os mais sabidos. Grande João Macacão!