Especial

Elifas Andreato, pintor de música

Por Daniel Brazil - 09/08/2010

Elifas Andreato é um dos maiores artistas gráficos do país. Ilustrador, cenógrafo, escultor, capista de livros, cartazista, editor e também escritor. O que ele faz aqui na Revista Música Brasileira?

Bom, pra quem não sabe, Elifas é o artista plástico mais envolvido com a nossa música que se tem notícia. Marcamos uma conversa no seu escritório, no bairro de Perdizes, em São Paulo, para ouvir sobre este namoro, que começou quando foi convidado a ilustrar a coleção História da Música Popular Brasileira, da Abril Cultural, em 1970.

Elifas – A coleção da Abril foi a grande vitrine que me apareceu. Embora fosse muito jovem, eu também ia pras entrevistas. Eu tinha a missão de recolher, no arquivo pessoal de cada entrevistado, o material que eu usaria no fascículo. Então eu passei a conhecer essa gente toda. E devo lembrá-los que os velhinhos já eram esquecidos. O Nelson Cavaquinho, Lupiscínio, o próprio Pixinguinha, Ismael Silva... já não tinham espaço. Vinha surgindo uma nova geração de grandes criadores, que estão aí, e esses mais antigos estavam meio esquecidos.

Com a grande ajuda de Tárik de Souza, que é pra mim o maior crítico brasileiro, nós trouxemos esses velhinhos, e eu conduzia eles a programas de rádio e TV para divulgar o trabalho. Foi uma grande alegria! Eu tinha 26, 27 anos, e era um orgulho conviver com Lupiscínio Rodrigues, sair com Ismael Silva, Adoniran Barbosa... Me tornei amigos deles, ajudei a divulgar, e conheci também a nova geração fazendo os fascículos deles. Daí, fazer as capas dos discos foi uma coisa natural.



Elifas é provavelmente o artista que mais fez capas de discos no mundo. São mais de 400 LPs e CDs. Se contarmos as caixas especiais, brindes e coleções, passam de seiscentas, e acumulam dezenas de prêmios.


ElifasO primeiro disco foi o do Paulinho da Viola, em 1971. A capa é uma foto do Paulinho, mas na contracapa já tem um desenho meu e do Luis Trimano. Em 73 fiz o Nervos de Aço, e aí foi um acontecimento!

O artista desenvolveu um estilo próprio, de forte colorido e grande identificação popular. Voltaria a ilustrar várias capas para Paulinho, que acabou se tornando seu compadre, batizando filho e netas. Fez também capas para Martinho da Vila, Clementina de Jesus, Pixinguinha, Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Chico Buarque, Clara Nunes, Elis Regina, Tom Zé, João Nogueira, Jessé, Rosinha de Valença, Dominguinhos, João Bosco, Rolando Boldrin, Egberto Gismonti, Fátima Guedes, Zeca Pagodinho... tanta gente que fica difícil escolher qual a mais bonita.

Lembra da Arca de Noé, de Toquinho e Vinicius, que as crianças recortavam e colavam cada uma de seu jeito? Pois é, invenção dele. A passagem do vinil para o CD foi uma camisa de força para o artista. A primeira experiência, uma caixinha em forma de coração feita para o disco Ao Rio de Janeiro, de Martinho da Vila, foi recusada pela gravadora. Ele teve de se conformar com a caixinha retangular de plástico, mas sempre buscou soluções criativas.
 


ElifasMinha exposição através das capas de disco me aproximou de uma geração que estava fazendo, teatro, livro, escrevendo, e eu fui incorporado por esse grupo e me tornei o artista gráfico que era encarregado de sintetizar numa única imagem uma obra que era muito maior que a minha. Era uma responsabilidade. Eles também foram sempre cúmplices, sempre parceiros. Nunca chegaram com idéias prontas para eu fazer, nem eu aceitaria isso. Eu convivia, conversava, jogava sinuca, tomava cerveja, jogava futebol. A partir disso é que eu conseguia chegar a uma imagem-síntese daquilo que estava ali, no disco.

Nascido em Rolândia, Paraná, em 1946, e recém-saído de um enfarte, o artista continua lépido, agitado, bom de papo e com a memória tinindo. Além de conhecer muito (ele também compõe, tem várias parcerias com Toquinho!), sente orgulho por ter participado e convivido com uma geração que transformou a música brasileira.

ElifasEu sou amigo deles, porque estivemos juntos em momentos da história brasileira em que não fazíamos apenas arte, mas militávamos, lutávamos pela redemocratização do país. Fossem escritores, atores, diretores, compositores, cantores, cantoras... e a música brasileira era uma voz fortíssima nisso aí. Por sorte, eu estava junto dessa turma!

Estava e continua junto. A esta altura do campeonato, ninguém vai tirar de Elifas Andreato o merecido título de Maior Intérprete (Gráfico) da Música Brasileira!

(entrevista realizada com a equipe da Nauweb)