Especial

Bip Bip, templo da vida e da música

Por Luís Pimentel - 15/12/2022

    O Bip não é bar. É útero.

     Quentinho, macio e aconchegante, como imaginamos que seja o bucho da mamãe (psicanalistas mais afoitos garantem que a gente continua lá). E tem mais um ponto de identificação: de vez em quando nos deixa naquela água.

     Já foi dito que o bar é o segundo lar. No caso do Bip-Bip – que completou 54 anos de vida e de música no último 13 de dezembro – a serviço permanente do porre e da amizade sem fronteiras (é um tal de se esbarrar com estrangeiros perdidos entre batidas e cervejinhas), é o primeiro para muita gente boa. Tudo isto com as desconfortáveis faltas que o útero da mamãe nos faz. Existe a falta de espaço, temos a pentelhação de alguns irmãos e o desfilar maroto das “maninhas” rolando nas cantorias, o que deixa a gente com um desejo enorme de praticar o incesto. As mesas são fartas. Como na velhíssima piada, “farta tudo”. Mas sobra amor.
     Os músicos generosos que tornam as noites do Bip mais doces são todos nossas mães. Dão colo para a alma e os ouvidos e não reclamam nem quando um rebento mais (des) mamado despenca sobre as mesas e os instrumentos. Segue a vida e tome polca (no caso, samba e/ou choro até o menino dormir).
     E teve um pai. Chato, como todo pai (hoje, o papel cabe ao também querido e admirável Matias Bidart). Amado, como todo pai. Alfredo Jacinto Melo, o Alfredinho, Neném para os íntimos, que pilotava a zorra com um chicote de veludo. Punha no colo e fazia cócegas no pescoço com sua barba desgrenhada. O pai que dá o pão também dá o castigo: mandava parar a cantoria domingueira sempre que passava das 11 horas ou o seu vinho acabava. Mas quem tem ou teve a felicidade de frequentar a casa sabe que esse castigo não vem a cavalo, mas em asas de paloma.
Tudo em paz.
Nas paredes do Bip-Bip ainda hoje convivem em perfeita harmonia o passado, o presente e o inusitado. O dono da casa está caricaturado e imortalizado por vários gênios do traço, como Amorim, Paulo Caruso e Ique, e retratado aos abraços com grandes nomes das letras e da música: olha ele lá, marrento feito outro Baixinho, com Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Beth Carvalho, Lena Frias (de saudosa memória), Cláudio Jorge e com tantos outros.
Também brilham nas paredes Cristina Buarque (embrião primeiro e pioneiro), Walter Alfaiate, Elton Medeiros, Mário Lago, Nelson Sargento, Moacyr Luz, Clementina de Jesus, Cartola, Carlos Cachaça, Chico Buarque, Wilson Moreira, João Bosco, Naná Vasconcelos, tanta gente.
Tempo e espaço se fundindo, se integrando, convivendo, convivendo, convivendo.
Se essas paredes falassem, ia ser muito bom de se ouvir.
O Bip-Bip era e é um excelente lugar para se viver (até porque, é confuso e desorganizado, como a vida) e possivelmente seja um bom lugar para se morrer (de susto, de bala ou vício), com os saudos gritos do Neném comandando o gurufim.
(Crônica publicada originalmente no livro Um bar a serviço da alegria, escrito em parceria com Marceu Vieira e Chico Genu)