Especial

Banda Larga Cordel

Por Daniel Brazil - 10/07/2008

Poucos seres humanos souberam conciliar de forma produtiva arte e participação política. Claro que o engajamento em alguma causa pode ser motivador, e estão aí vários livros, poemas, músicas, pinturas, esculturas e filmes para provar que um grande artista pode se inspirar em praticamente tudo. Mas quando o sujeito passa a exercer cargos, legislativos ou executivos, a energia necessária para isso geralmente só se consegue às custas da inspiração.

Gil é um caso especial. Não há notícia de que compositor de música popular tenha exercido função tão estratégica quanto a de Ministro da Cultura. Isso causou certa perplexidade na época de sua nomeação, às vezes traduzida em ódio ou admiração, em vários cantos do mundo. Passado o susto inicial, o baiano arregaçou as mangas e colocou em movimento um lago que parecia estagnado há muito tempo. Agitou, fez ondas, criou novas praias, expandiu horizontes.

Mas a faceta de criador musical parecia adormecida. De fato, desde Quanta (há 11 anos!) o compositor não lançava um disco com inéditas. E Banda Larga Cordel, o novo trabalho, dá uma curiosa continuidade àquele conjunto de canções, onde Gil descobria novos temas, fugindo da mesmice da canção-de-amor.

Desta vez Gil não se debruça sobre a física quântica, porém faz uma espécie de comentário sociológico da modernidade. Dito assim parece chato, mas há momentos inventivos, bem humorados e até raivosos no CD. Há observação irônica de costumes (Despedida de Solteira - um delicioso xote - Os Pais – parceria com Mautner), letras existenciais (Não Tenho Medo da Morte, O Oco do Mundo), discurso culturalista (Outros Viram), releitura da tradição (Amor de Carnaval) e comentários sobre a relação homem-mulher (Gueixa no Tatame, A Faca e o Queijo).

Alguém pode até dizer que A Faca e o Queijo é uma canção de amor, e não estará errado. As letras de Gil têm a sabedoria de dizer mais do que o óbvio. Mesmo em canções fracas, como Não Grude Não ou Olho Mágico, há uma maneira de encadear letra e música que demonstra o talento do artesão. Até quando se arrisca a defender coisas como a Máquina do Ritmo, num país de percussionistas, acaba fazendo uma bossa eletrônica muitos bits acima das tentativas moderninhas daqueles tocados nos lounges da moda.

A regravação de Samba de Los Angeles, canção do disco americano de Gil (Nightingale, 1978) ficou linda, e é acompanhada por um belo solo de bandolim. E como já ocorreu em outros discos, Gil compõe e canta em francês uma pequena delícia dançante, La Renaissance Africaine.

Musicalmente, não há do que reclamar. Há samba, rock, bases eletrônicas, balada com levada soul, homenagem a Baden (Formosa), pop, bossa. Talvez falte uma grande canção, daquelas que quando ouvimos pela primeira vez, temos certeza de que será um clássico.

Mas nesse tempo de canções tão descartáveis, haverá ainda lugar para isso? Pensando musicalmente sobre a movediça relação da canção popular com a mídia e o mercado, Gil coloca suas canções-iscas ao nosso alcance, deixando entrever o anzol da provocação ali escondido. Quem não quer arriscar, não morda!