Especial

Ana Maria Carvalho – O Maranhão em São Paulo

Por Daniel Brazil - 09/07/2012

O Morro do Querosene ocupa um lugar especial no cenário cultural de São Paulo. Pequena elevação na rive gauche do Rio Pinheiros, ganhou o apelido por causa das primeiras ocupações, ainda sem energia elétrica. Do bairro de Pinheiros, do outro lado do rio, os paulistanos avistavam o morro faiscando à noite por causa dos lampiões de querosene.

Com a instalação da USP por aquelas bandas o bairro do Butantã cresceu e se modernizou. O Morro do Querô (como dizem os íntimos) perdeu os lampiões, ganhou luz elétrica e ruas asfaltadas. Ainda resta uma grande mancha verde, a Chácara da Fonte, com uma nascente que serviu aos tropeiros que partiam para o sul no século XIX e – dizem – pontuava o famoso Peabiru, o mítico caminho dos índios que ligava o Atlântico ao Pacífico. Muitas casas viraram repúblicas, e os estudantes se instalaram por ali nos anos 70 e 80. Hoje é morada de artistas plásticos, arquitetos, cineastas, poetas e músicos, que mudaram o perfil da região.

As festas de rua sempre foram características do Morro do Querosene. As juninas, principalmente, herança dos nordestinos que ali moravam. No início dos anos 80, um grupo de maranhenses introduziu a Festa do Boi no pedaço. Acabou se tornando uma das festas mais concorridas da cidade, gerando um núcleo de músicos, dançarinos, cantores e compositores populares, que formaram o grupo Cupuaçu, em 1986.

Tião Carvalho se destacou, alcançando sucesso nacional pelas vozes de Ná Ozzetti e Cássia Eller com Nós (“pois é, esse samba é pra você, ô meu amor...”). Principal voz da festa do Boi, sempre teve ao lado a irmã Ana Maria, também fundadora do Cupuaçu. Dando aulas de dança, canto e folclore, formaram gerações de jovens interessados em cultura brasileira. Até hoje mantém fortes laços com o Teatro Ventoforte, dirigido por IloKrugli, com várias criações conjuntas.

Às vésperas de completar 60 anos, Ana Maria Carvalho finalmente tem sua obra registrada em CD. Compositora de temas embebidos do folclore de sua terra natal, Ana Maria se aventura em sambas, cirandas, maracatus, baiões e toadas, bordados com delicado lirismo.

O astral dessa figura simbólica pode ser medido pela quantidade de participações especiais no disco (Por Mim e Por Meu Povo, Pôr do Som, 2012), gravado com recursos do Programa de Ação Cultural 2011 do governo de SP.

O grupo de base conta com o grande flautista Toninho Carrasqueira (que assina o texto de apresentação), o multi-instrumentista Marquinho Mendonça, o 7 cordas Carlinhos Amaral e a percussão de Henrique Menezes (outra voz do Boi) e Manoel Pacífico. O diretor musical Gabriel Levy ficou com o acordeom, e é responsável pelos arranjos.

Cida Moreira canta numa faixa, Tião Carvalho participa de várias, Thomas Rohrer comparece com sua rabeca, Simone Soul percute, Graça Reis, Ana Flor Carvalho e Rô Macedo juntam suas vozes ao coro de amigos.

Umas faixas são dançantes, outras mais introspectivas. Em Esperando Alice, só com voz e flauta, Ana Maria e Carrasqueira atingem alto nível de sofisticação musical. E aos poucos vamos descobrindo detalhes, relances de um Maranhão profundamente entranhado em São Paulo, absorvendo e refletindo minúcias musicais de todo o Brasil. Não à toa, os bordados que enfeitam a capa e o encarte do CD são da própria artista.

Um disco precioso, que revela a encantadora personalidade criativade Ana Maria Carvalhoe reforça a importância desse núcleo tão brasileiro, sediado no mítico Morro do Querosene.