Especial

Adeus, Pena Branca

Por Daniel Brazil - 11/02/2010

Morreu Pena Branca, aos 70 anos. A notícia fria apareceu em alguns rodapés de jornal, em alguns sites. Alguns órgãos de imprensa, preguiçosos e incultos, nem publicaam a notícia. O irmão e parceiro de Xavantinho (1942-1999) merecia bem mais que isso.

José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, nascido em Igarapava (SP) e criado em Uberlândia (MG) foi representante de um Brasil profundo, que não se curva a modismos e tentações mercadológicas. Começou a cantar em rádios de Uberlândia, no final dos anos 50, sempre em dupla com o irmão, que iria se revelar talentoso compositor.

No final dos anos 60, atraídos pelos festivais e, quem sabe, a chance de uma gravadora, mudaram-se para São Paulo. Comeram o pão que o diabo de guitarra elétrica amassou. O Brasil mudava de figurino, queria ser urbano, e tinha vergonha de seu passado rural. Figuras como Mazzaropi ou João Pacífico estavam saindo de cena, e a música caipira perdia espaço para o estilo sertanejo, uma mistura de bolero, jovem guarda e country americano, com letras românticas e bregas. A música caipira autêntica, como sempre lembra Inezita Barroso, fala do sertão, do cotidiano, das festas, da colheita, do êxodo para a cidade, ora com humor, ora com tristeza. Esta rica paleta temática foi trocada por um monótono choramingar de amores perdidos (música de corno, como dizem os mais irreverentes) que passou a dominar o mercado fonográfico pela voz de duplas como Chitãozinho e Xororó, a partir dos anos 70. Sai a moda de viola, entra a balada romântica cantada em falsete, que até hoje domina boa fatia da programação das rádios AM.

Mas Pena Branca e Xavantinho não trocaram de camisa, mesmo passando fome. Fiéis ao estilo cultivado, surpreenderam um festival da Globo, em 1980, classificando para a final a música Que Terreiro é Esse?, de Xavantinho. Isso bastou para que finalmente gravassem o primeiro disco, onde demarcavam seus princípios estéticos. Não eram meros cultores de um Brasil musical que agonizava, mas também capazes de estabelecer ligações culturais e poéticas com a dita MPB, a norma culta da música brasileira. Gravaram Cio da Terra, de Milton Nascimento e Chico Buarque, para surpresa geral.

Uma canção com letra refinadíssima, de dois medalhões do primeiro time, cantada em terças por uma dupla caipira? Gozo e martírio. Ao mesmo tempo em que chamaram a atenção de uma fatia intelectualizada do público, levantavam desconfianças das camadas mais populares. O segundo disco foi produzido por Rolando Boldrin, outro ouvido atento ao coração do Brasil.

Conscientes do caminho escolhido, gravaram também Caetano, Mário de Andrade, Renato Teixeira, Gilberto Gil, Ataulfo Alves, Adauto Santos e Ivan Lins, entre outros, escancarando as origens telúricas destes mestres. A dupla nunca vendeu milhões de discos, mas conquistou um lugar definitivo no coração de milhares de fãs da boa música brasileira.

Em 99, o duro golpe. A dupla acabou, com a morte precoce de Xavantinho, criador de canções cada vez mais depuradas. Pena Branca chorou, mas não desistiu. Bom intérprete e figura querida no meio musical, soube juntar ao seu redor grandes músicos de variada formação, dando continuidade ao caminho traçado. No ano seguinte lançou o CD Semente Caipira (Kuarup, 2000), com o apoio de artistas como Gilvan de Oliveira, Zé Gomes, Dinho Nascimento, Toninho Carrasqueira, Isaías do Bandolim e Osvaldinho do Acordeon. O disco vence o Grammy Latino, com sua rica mistura de sonoridades e poéticas, onde há espaço para Correnteza, de Tom Jobim e Luiz Bonfá, e Maringá, de Joubert de Carvalho, além de três composições do próprio Pena Branca.

Com espaço e prestígio garantido, dedica o disco seguinte a composições do mano (Pena Branca canta Xavantinho, 2002). Em 2007 lançou seu último trabalho, Cantar Caipira.

Pena Branca, com seu jeito manso e coração aberto, fez uma pequena revolução na música brasileira. Abriu porteiras, derrubou cercas, construiu pontes. E se deu ao luxo de citar Manuel Bandeira, na canção Papo Furado, de 2002:

Os dois sapo só falava
Assunto de namorada
No prazo de pouco instante
Ajuntou a sapaiada.
Assim tudo virou sapo
E eu não compreendi mais nada
Papo só quem bate é sapo
E no fim só dá piada.

Sempre quis perguntar pra ele se estava ironizando as duplas sertanejas de hoje. Não deu tempo. Pena Branca se foi nessa terça-feira, 09 de fevereiro. Choram todos os que amam a música mais autêntica produzida nos sertões deste país. Chora, viola!