Artigos

Música como fio condutor da(s) História(s)

Por Daniel Brazil - 30/11/2023

Conversa puxa conversa, e quando o conversador é bom, rende muito. Este é o caso do surpreendente livro de Edson Natale, “A Música no Brasil que você toca (Ed. Paraquedas, 2023).
Obviamente, é um livro sobre música brasileira. O que é menos óbvio é a maneira com que o autor vai emendando assuntos, e incluindo preciosos tópicos de história, cinema, literatura, artes plásticas, teatro, TV, folclore, política ou geografia, e não só do Brasil.
Fruto de mais de 30 anos de pesquisa e viagens pelo país, o resultado é um volume de 160 páginas repletas de informações reveladoras e curiosas, às vezes inusitadas. Pode começar um capítulo falando do padre Landell de Moura, o inventor brasileiro do rádio, passar pelo movimento musical roraimense e enumerar vários artistas da Amazônia. Ou iniciar relembrando a história da aviação brasileira, passar por Agostinho dos Santos, citar a cantora lírica Maria d’Apparecida e falar de racismo, narrando os entreveros entre Tony Tornado e a ditadura militar.
Títulos provocantes como “Mulher pode tocar trombone” ou “Nenhuma guerra é justa” abrem narrativas concisas que falam de preconceito e machismo. Apresenta as pioneiras Chiquinha Gonzaga e Jovita Alves Pedrosa, passa por Gilda de Barros, Abbie Conant e Inezita Barroso, introduz o ex-combatente da II Guerra Pedro Sorongo, futuro percussionista genial, e homenageia Tenório Jr., pianista brasileiro morto pela ditadura argentina.
Em outra chave, recorda a viagem do poeta surrealista Benjamin Péret ao Brasil, acompanhado pela sua mulher, a brasileira Elsie Houston, cantora e pesquisadora do folclore brasileiro, passa pelo almirante negro João Cândido, resume a vida militante da atriz Lélia Abramo e termina falando da missa em homenagem a Vladimir Herzog, marco da história recente brasileira.
E personagens vivos, contemporâneos, vão entrando na prosa. O compositor Maurício Pereira, o violeiro Paulo Freire, o produtor e técnico Pena Schmidt, o cineasta Fernando Meirelles ou o punk pernambucano Cannibal, sempre entremeados com figuras históricas como João Pacífico, Patativa do Assaré, Luiz Carlos Prestes, Cego Aderaldo, Dilermando Reis, Lampião e Volta Seca, Zaíra de Oliveira, Osvaldo Pugliese, Moacir Santos ou Possidônio Queiroz, o flautista piauiense que fez questão de tocar e fazer o discurso de recepção para a Coluna Prestes quando ela passou por sua cidade, Oeiras.
A música acaba sendo linha-e-agulha com a qual Natale vai costurando com maestria pedaços de um Brasil multicolorido e contrastante, desigual e injusto em tantos momentos, mas fascinante e criativo em muitos outros. Sem formalismo acadêmico, mas com notas de rodapé quando necessárias, e com as referências bibliográficas devidamente listadas no final, o livro pode ser definido como um belo conjunto de pequenos ensaios, ou crônicas-com-conteúdo (se é que existe essa classificação). O melhor mesmo é não tentar definir, mas mergulhar na leitura prazerosa e enriquecedora.
Apenas a edição merece alguns reparos, como a fonte sem serifa e a impressão pouco contrastada, que dificulta a leitura em ambiente pouco iluminado. Leve o livro para a praia e aproveite!