Artigos

Lui Coimbra roda a flor

Por Daniel Brazil - 28/07/2023

Lui Coimbra é um artista de perfil bastante original. Conhecido principalmente como violoncelista, é na verdade um instrumentista versátil, que mostra seu talento nos teclados e em vários instrumentos de corda, além da percussão.
Seu novo trabalho, Roda-Flor, segue as mesmas diretrizes de seu primeiro álbum, Ouro e Sol, de 2003. Busca inspiração em cantigas do folclore brasileiro, criando arranjos e versões para cirandas, maracatus, toadas de boi e sambas, mescladas com composições próprias e até de mestres como Heitor Villa-Lobos (Canção Sentimental). Retoma também a parceria póstuma com Mario Quintana, de quem já havia musicado dois poemas em Ouro e Sol. Agora canta A Ciranda Rodava no Meio do Mundo, em arranjo paradigmático de seu universo musical.
Coimbra já tocou com grupos importantes da música brasileira, como o Aquarela Carioca, Religare e a Orquestra Popular de Câmara. Acompanhou vários artistas conhecidos, como Ney Matogrosso, Zizi Possi e Alceu Valença, entre outros. Gravou um belo disco com Ceumar e o violeiro Paulo Freire, homenageando Inezita Barroso (Viola Perfumosa, 2018).
Na carreira-solo explora bem seu belo timbre de voz, e se desdobra em arranjos que mostram coerência e personalidade. Junta coro de vozes de sabor folclórico com elementos percussivos, emoldurados por uma instrumentação ora telúrica, ora transgressiva, com efeitos eletrônicos. Nesse novo disco, trabalha com parceiros como Zeca Baleiro, com quem fez Valsa da Senhora D, homenagem a Hilda Hilst, e com quem canta um poema de Ferreira Gullar transformado num samba (Companheiro Fiel).
Outra parceria notável é com o português Tiago Torres, que escreveu a letra de Seguiu o Fado. Mas Lui Coimbra também brilha em composições próprias como Graça ou Quanto Tanto. E surpreende com a regravação de Rio, dos Tribalistas, que encerra o disco (ainda se usa esta palavra-conceito saudosista, do século XX, para definir uma coleção de canções?).
Essa miscelânea acaba sendo o retrato de um artista que demonstra um sincero amor pelo Brasil mais profundo, que irmana mestres como Villa-Lobos e Dominguinhos Minguinho, o autor da toada de abertura, Dona Tá Reclamando, um clássico do boi maranhense, sem perder o pé da modernidade. E elabora essa alquimia sem pressa, com delicadeza, sabendo que o porto de chegada não é o sucesso de rádio, mas o coração de quem sabe ouvir.