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A fonte de emoção de Dona Inah

Por Daniel Brazil - 08/04/2013

O samba não vem do morro, nem lá da cidade. Não vem da Bahia ou do Rio de Janeiro. O samba, na realidade, brota em muitos corações brasileiros (e até alguns estrangeiros), delineando outro tipo de nação, que não é explicada apenas pela geografia.
 

Esse é o sentimento que aflora quando ouvimos Dona Inah cantar. Nascida na pequena cidade de Araras, no interior de São Paulo, Ignez Francisco da Silva cresceu ouvindo música dentro de casa. O pai trompetista tocava em conjunto de bailes, e o rádio vivia ligado nos sucessos das décadas de 40 . A mudança para Santo André no início dos anos 50 a deixou mais próxima da capital, mas não do sucesso.
 

Participou com destaque de alguns programas de calouros, e foi notada por gente como o maestro Cyro Pereira, que a levou para a Rádio Record. Mas os loucos anos 60 pediam outro tipo de música, e os cultores do samba clássico foram sendo deixados de lado. Ignez foi virando Dona Inah em rodas quase secretas, bares de amigos, grupos de seresteiros. A dura vida de babá, doméstica e cozinheira fez a voz ganhar densidade e tristeza. Arriscou outros gêneros (canta clássicos latino-americanos com muito gosto, mas isso é segredo compartilhado apenas com os amigos), mas o que move seu coração é o samba.
 

Em 2002 o produtor Heron Coelho a convidou para participar de um musical em homenagem a Clementina de Jesus, ao lado de Marília Medalha e a jovem Fabiana Cozza. Foi o recomeço, marcado por aplausos e novos convites. Apresentou-se ao lado de nomes ilustres, e em 2004 gravou o primeiro CD, Divino Samba Meu.
 

Chegava ao grande público “o mais bem guardado segredo do samba paulista”. Esta frase, repetida muitas vezes por aí, foi escrita pela primeira vez aqui na Revista Música Brasileira. E o apelido de Divinah se confirmou no segundo CD, dedicado à obra de Eduardo Gudin (Olha Quem Chega, 2008), com uma apresentação elogiosa de Paulo César Pinheiro.
 

Prêmios, viagens, carreira internacional. Apresentações na Europa, na África, na América. Para onde iria Dona Inah em seu terceiro CD? Quem a conhece, não tinha dúvida. Continua nos braços do samba com consciência e sabedoria. Fonte de Emoção (Por do Som, 2014) foi lançado em março, num show lotado e emocionante no Sesc Pompéia, em São Paulo.
 

Doze sambas magníficos, soberbamente arranjados pelo mestre do violão 7 cordas Zé Barbeiro, e acompanhados pelo grupo Cadeira de Balanço. Sem apelar para nenhum clássico conhecido, Dona Inah apresenta a produção recente de novos e veteranos sambistas. Aliás, o CD abre com uma composição dela própria, Chorar Jamais, um verdadeiro manifesto de vida. A partir daí, um cardápio de iguarias, com participações especiais de Monarco e Delcio Carvalho, que contribuíram com composições inéditas. Tem belezas de dona Ivone Lara, Ivor Lancelotti, Teroca, Paulo César Pinheiro, Douglas Germano, Fabricio Rosil, Ventura Ramirez, Dora Lopes e mais um punhado de bambas.
 

Ouvir Dona Inah é sentir na pele d’alma a tradição renovada do samba. Seus vibratos remetem a um universo sambístico atemporal, onde todas as épocas são destiladas com capricho e paciência. Ela canta no samba que encerra o disco, “quando eu morrer não quero choradeira, quero que cantem meu samba a noite inteira”. Lembra Noel Rosa? Claro, o samba termina assim: “Quero entrar no céu como turista, e receber de Noel o diploma de sambista”.
Dona Inah já é diplomada com louvor, e ensina com evidente prazer como se canta um bom samba.