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Assobie essa melodia

Por Lucio Carvalho - 20/07/2014

Esses dias topei sem querer com uma lista inusitada na internet, onde listas de qualquer coisa proliferam alucinadamente. Era uma lista com dez assobios musicais que não desgrudam da cabeça. A seleção foi feita pela Rolling Stone e, entre os 10 assobios grudentos, apenas um brasileiro na lista. Coube a Gilberto Gil o feito, pela sua gravação de Esotérico, registrada no álbum Um Banda Um, de 1985.

Achei uma injustiça tremenda, porque de cara lembrei-me de pelo menos outros 5 ou mais assobios celebrizados por cantores e compositores brasileiros que não fariam feio numa lista dessas ou até poderiam sobrepujá-los no quesito "grudento", senão (felizmente) em outros critérios musicais.

Na minha lista de assobios da música brasileira, mas não apenas para não contrariar os caras da Rolling Stone, constaria também o Esotérico de Gil, porque sem dúvida é um assobio que cai muito bem na melodia e na harmonia. A seu lado, para variar, caberia bem a companhia de Caetano Veloso, em pelo menos dois registros, ao que eu me lembre. O primeiro que me ocorre é sua fabulosa versão de For no One, de Lennon e McCartney, gravada no long play Qualquer Coisa, de 1975. Logo a seguir, por que não incluir também Você é Linda, gravada em 1983 em Uns?

Voltando um pouco no tempo, o que dizer então de O Vento, de Dorival Caymmi, assobiada e gravada pela primeira vez nos idos de 1949?

Dos baianos para baixo, logo ao sul, encontra-se obviamente Milton Nascimento e sua turma de clubeiros, em Minas. Em Cravo e Canela, gravado no seminal Clube da Esquina, de 1972, já se podia ouvir o assobio que repetiu em Bola de Meia, Bola de Gude, que ele mesmo só foi gravar em disco em 1982, no álbum Amigo.

Em Vida Noturna, de João Bosco e Aldir Blanc, gravada em 1976 no álbum Galos de Briga, o cantor e violonista mineiro introduz a noturna letra de Aldir em um longo e melodioso assobio. Lembrava dessa?

Elis Regina, com o assobio de Toots Thielemans, por sua vez gravou Você, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli em 1969.

Timidamente, como não podia deixar de ser, Chico Buarque também aparece nessa minha lista sem ranking, com um assobio quase furtivo em Futuros Amantes, de Paratodos, de 1993.

Luiz Gonzaga Jr, o Gonzaguinha, em Eu Apenas Queria que Você Soubesse, no álbum Coisa Mais Maior de Grande, de 1981, também está aqui.

Pulando algumas décadas e pensando em que está mais perto de mim, aqui no sul, lembrei-me de Vitor Ramil, que gravou no ano de 2000 o disco Tambong. Nele, a faixa Espaço tem como introdução um longo e melodioso assobio.

Os tribalistas Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, também assobiaram juntos em Mary Cristo, em 2002, ainda que bem discretamente.

A cantora Fernanda Takai, do Pato Fu, em parceria com Rodrigo Amarante, dos Los Hermanos, regravou do jovemguardista Demétrius a faixa No Ritmo da Chuva, para o especial sobre a jovem guarda da série Um Barzinho e Um Violão, de 2004, que conta com um trecho delicadamente assobiado por Rodrigo.

Igualmente recente, de 2010, o paulista Marcelo Janeci gravou um assobio na hiperexecutada Felicidade, do festejado Feito pra Acabar.

Toda essa história de gravar assobios na música brasileira data, porém, de muito tempo atrás. Consta que já em 1904 o trinado de Geraldo Magalhães já podia ser escutado em Meu Assobio, composta por Eustórgio Wanderley (parceiro de Chiquinha Gonzaga) e gravado mais ou menos nessa época, pela Odeon.

Refúgio dos maus cantores, o assobio pode ser tanto o meio de evocar uma melodia como de criá-la. Não é preciso dizer que, obviamente, os exemplos acima não se referem a maus cantores. Talvez isso ajude a demonstrar que se trata, provavelmente, do mais portátil, natural e espantoso instrumento musical, porque fabricado e transportado no próprio corpo.

Ele surge ou introduz melodias que nascem fáceis, especialmente de compositores da música popular. Afinal, talvez não haja mesmo expressão musical mais simples do que estas nascidas com a boca quase fechada, mas complexa a ponto de soar tão bem quanto o mais afinado instrumento. Então se, como eu, você canta mal a ponto de espantar a passarinhada, quem sabe assobiando..?